A NATUREZA DOS ELEMENTOS
E OS ELEMENTOS DA NATUREZA
ENQUANTO A TRADIÇÃO GREGA NOS ENSINA QUE
SÃO QUATRO OS ELEMENTOS: ÁGUA, FOGO, TERRA E AR,
OS CHINESES AFIRMAM QUE ESTES SÃO CINCO:
MADEIRA, FOGO, TERRA, METAL E ÁGUA.
AFINAL, QUEM TEM RAZÃO, OCIDENTE OU ORIENTE?
Texto de Paulo Urban, publicado na Revista Planeta, edição 335, agosto/2000
(Dr. Paulo Urban é médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento)
Saber quem tem razão quanto ao número de elementos que compõem a natureza é tarefa sem sentido. Quanto ao que eles representam, entretanto, parece haver uma aproximação de conceitos entre gregos e chineses. Os elementos são a essência das forças existentes na natureza, forças estas que interagem entre si, regendo por meio de suas variadas combinações todos os fenômenos da vida, em escala tanto primária quanto complexa.
Os antigos gregos identificaram quatro elementos primordiais, que se contrastavam dois a dois: água e fogo, ar e terra. Cada um deles, entretanto, era dedução óbvia da combinação de duas qualidades distintas, espécie de essência por detrás da essência que, misturadas, geravam as manifestações elementares. Assim, da mesma forma que a água era fruto da combinação do frio com a umidade, o fogo seria resultado da interação entre o quente e o seco; já o ar, traria em si a reunião de outras duas qualidades, quente e úmido, distinguindo-se assim da terra que, embora sendo seca, preferiu ser fria.
Indo além, os primeiros filósofos gregos, nomeados pré-socráticos, indagavam-se sobre aquilo que pudesse haver por detrás destas qualidades primevas que explicasse as diferentes manifestações da natureza e pudesse solucionar o sempiterno mistério da vida. Os gregos perscrutavam a physis (a natureza) no intuito de alcançar a origem do Cosmos. Para Tales de Mileto (séc. VI a.C.), por exemplo, a vida provinha da água (e muitos cientistas assim o crêem em nossos tempos); Anaximandro, seu discípulo, imaginou o apeiron (o ilimitado) como fonte primordial da natureza, e Anaxímenes (séc.V a.C.), o terceiro grande nome da Escola de Mileto, dizia ser o pneuma, isto é, o ar, a causa primeira por detrás de toda existência. Já o mestre Pitágoras (580-489 a.C.), primeiro dos pré-socráticos a intitular-se filósofo, fazendo-o entretanto na acepção literal do termo, já que não se julgava sábio mas declarava-se com afinidade pela sabedoria, acreditava ser o fogo o elemento sutil a alimentar todo o Universo (e não estava errado, já que as estrelas todas, além do Sol que nos mantém, são naturalmente fogo). Por detrás de sua “mônada” ou princípio estrutural e organizador da vida, estaria o fogo interior ou invisível, substância etérea, distinta do fogo comum que nossos sentidos percebem queimar, a servir de fonte de energia do Universo.
Até então os elementos eram tidos apenas isoladamente como agentes primordiais da vida. Quem primeiro os relacionou em seu conjunto a todas as manifestações da natureza foi Empédocles (492-435 a.C.). O sábio defendia entusiasticamente sua doutrina cosmogônica considerando os elementos como rhizomata, isto é, raízes permanentes da vida. Misturando-se entre si em diferentes proporções, produziriam todas as coisas temporais. Os quatro elementos seriam, portanto, forças perenes a sustentar todas as condições mutáveis e passageiras. Anaxágoras de Clazômena (500-428 a.C.) assimilou esta doutrina, mas, aprofundando-se nela, chegou ao conceito de homeomerias, para ele substâncias primárias infinitas em número e em qualidades, descritas como partículas infinitesimais de matéria. Homogêneas e invisíveis, as homeomerias, a despeito de sua exigüidade, seriam responsáveis por tudo aquilo que podemos ver, capazes que são de se aglutinar em coacervados para formar todas as coisas, desde as mais simples às mais complexas. Neste raciocínio, todas as coisas existentes trariam potencialmente, em sua essência, todas as possibilidades de desdobramento e combinações permitidas às homeomerias, de modo que uma simples lasca de madeira, intrinsecamente, teria um pouco de tudo aquilo que há no Universo. Apresentar-se-ia como madeira porque as homeomerias deste material estariam nela mais concentradas do que todas as demais. Talvez tenha sido Anaxágoras o primeiro homem a imaginar algo próximo do conceito de fractais. Sua concepção holográfica do mundo intriga até hoje os cientistas da mecânica quântica. Que escritor de ficção científica ele não daria! Mas isto é assunto para outra matéria.
Fato concreto é que a teoria dos quatro elementos influiu sobremaneira sobre o pensamento médico de Hipócrates (460-370 a.C.), que associou a cada um deles um temperamento, classificando a partir daí os indivíduos. Afinal, as qualidades primevas não poderiam deixar de estar presentes também na alma humana, decretando traços de nosso comportamento, e da mesma forma relacionadas a toda uma série de doenças próprias de cada um dos quatro tipos de caráter assim determinados. Segundo o pai da medicina, o sangue era quente; a fleuma, fria; a bile negra, úmida; e bile amarela, seca. Isto distinguia quatro tipos de indivíduos: sangüíneos, fleumáticos, melancólicos e coléricos. Hipócrates propunha tratar o estado fleumático ou de deficiência (frio) excessiva pela estimulação (massagens) e administração de alimentos ou remédios quentes, bem como para os estados febris (quente) preconizava o resfriamento corporal, por meio de banhos ou bebidas.
Mas enxergar a dicotomia inerente a todos os fenômenos naturais não era privilégio da medicina hipocrática. No Oriente, possivelmente alguns milhares de anos antes da Antigüidade clássica, encontramos exatamente o mesmo princípio de dualidade existente por detrás de todos os seres, animados ou inanimados. Estamos falando de yin e yang, forças de naturezas completamente opostas mas paradoxalmente complementares entre si, conforme o expressa o taoísmo, concepção religiosa e cosmogônica dos chineses que repercutiu por toda a vida prática desta milenar cultura, influenciando obviamente o pensamento médico oriental.
Assim como os filósofos pré-socráticos, os chineses se perguntavam acerca da essência última do Universo, e há tempos já haviam batizado de Chi a energia vital onipresente e eterna. Os japoneses a denominam Ki, os hindus a chamam de Prana, os egípcios da Antigüidade a representavam em seus hieróglifos pela cruz ansata, ou Ankh, a significar o “sopro de vida”, e o grego Aristóteles discorreu amplamente sobre tal instância primordial em sua Metafísica, colocando-a em seu complexo conceito de “substância”.
Embora se atribua ao sábio Lao-Tse, (séc. VI a.C.) a base filosófica do taoísmo, escrita que está nos 81 aforismos de seu poema sagrado intitulado Tao Te King (traduzível por “Caminho de Sabedoria”), milhares de anos antes dele o pensamento chinês já admitia uma energia única a permear todas as coisas do Universo. Huang Ti, o Imperador Amarelo, personagem ao mesmo tempo real e lendário que teria vivido e governado a China por volta de 2700 a.C. já expressava este conceito em seu famoso Tratado de Medicina Interna, conhecido por Nei Ching Su Wen. As doenças todas seriam nada mais que conseqüência da falta de harmonia ou do desequilíbrio entre yang, o quente, e yin, o frio. Também seriam resultado de condições debilitantes causadas quer por excesso quer por deficiência de Chi, conforme sua instabilidade, devido ao predomínio acentuado de uma destas polaridades sobre a outra.
O Cosmos inteiro, segundo a concepção taoísta, estaria exercitando uma eterna dança harmônica e cíclica, resultado da perfeita interação dinâmica destas duas forças. O lado claro das montanhas, parte sul, que recebe o Sol, os chineses denominaram yang, cuja tradução aproximada seria “estandartes tremulando sob o Sol”; ao lado norte e sombrio das cordilheiras, deram o nome yin, cujo sentido mais próximo nos dá a idéia de “sombras, repouso ou tranqüilidade”. Yang é, assim, o princípio masculino que se contrasta ao feminino yin; é atividade e movimento em oposição à passividade e ao repouso. Enquanto yang se exterioriza, yin se compenetra. Yang é extrovertido e consciente; yin, além de inconsciente, é a própria introversão.
Curiosamente, Empédocles, do outro lado do mundo chegou a dizer praticamente a mesma coisa quando afirmou que duas forças antagônicas, Amor e Luta, eram os princípios ativos existentes por detrás dos quatro elementos, e que de sua interação dependia o equilíbrio do Cosmos. Amor unia os elementos, conquanto a Luta os separava. Deste jogo permanente de forças, tudo se cria e se transforma.
A criatividade chinesa associou ainda números a estas duas naturezas; yang, por ser ativo, símbolo do Céu, criador em sua natureza, é quem começa o jogo da vida; por isso recebe o número 1. Yin, que infalivelmente responde ao chamado de yang com sua receptividade; representa a Mãe-Terra, e recebe o número 2 a expressar a dualidade presente nos números pares. Daí por diante, yang será sempre ímpar; yin, par. Se representarmos a base estrutural da vida pelo primeiro ciclo de números naturais, teremos então yang como a soma dos ímpares 1+3+5+7+9 = 25. Este é o número do Céu. Yin, de mesma forma, será o montante dos pares: 2+4+6+8+10 = 30, o número da Terra. Para que o Universo permaneça fechado em si mesmo e, portanto, perfeito, sem começo nem fim, a diferença entre Céu e Terra deve ser preenchida. Intuíram então os chineses que seriam cinco os elementos a cumprir esse papel, capazes de entregar a Terra o Universo inteiro em suas mãos, dinamicamente equilibrado. Reciprocamente, é por meio deles que nos reportamos ao Céu (30-25 = 5). E foram batizados de madeira, fogo, terra, metal e água.
Guardadas as diferenças entre as duas concepções, a grega e a taoísta, o que de semelhante há entre elas é que tanto Ocidente quanto Oriente valem-se dos elementos quando querem representar o todo integrado em que se traduz a natureza. Se os cinco elementos dos chineses permitem a ligação entre o Céu e a Terra (o divino e o humano), os gregos, por sua vez se inspiraram nas quatro estações climáticas como forma de expressar a perfeição divina, já que o conjunto de seus quatro elementos nos confere a sensação de algo completo, cujo transcorrer é cíclico, permitindo-nos a cada ano observar o Cosmos desfilando à nossa volta. Sejam quatro ou cinco os elementos concebidos, o principal está em sua função, que é a mesma para estas diferentes tradições. Eles resgatam uma verdade que paira acima dos limites entre Ocidente e Oriente, já que não nos deixa esquecer de que o Cosmos, além de íntegro e perfeito, permite-nos a transcendência, a relação com instâncias que se situam além de nossa consciência, da mera condição humana. Ademais, nem Hipócrates nem os chineses em sua milenar medicina deixaram de frisar: os elementos estão também dentro de nós, pois somos nós a natureza, e nosso comportamento pode ser classificado conforme suas qualidades intrínsecas.
Também para os chineses era evidente a relação entre as estações e os elementos, ainda que o problema fosse fazer caber 5 elementos em 4 estações. Bem, a sabedoria oriental logo encontrou uma simples e perfeita solução para o dilema, e ainda associou a cada um dos elementos um órgão e uma víscera, um animal, uma cor, um sabor, uma nota musical, um temperamento etc.., assinalando assim que tudo na natureza encontra-se intrinsecamente entrelaçado. Isto é, cada uma das partes do Universo reflete o todo absoluto. Em suma, apenas outra forma de se dizer a mesma verdade a que chegara Anaxágoras com seu conceito de homeomerias.
Por analogia, maneira particularmente oriental de se observar os fenômenos da natureza, a madeira foi associada à primavera, período em que a energia Chi é ascendente, já que as árvores e as plantas brotam e crescem facilmente nesta estação. Na prática médica, madeira corresponde ao fígado e à vesícula biliar. Ao fogo relacionaram o calor do verão, quando a energia cósmica é predominantemente yang. Este elemento liga-se ao coração e ao intestino delgado. O outono foi associado ao metal; nele, Chi está em sentido descendente, por isso os frutos caem e são colhidos. Em nós, metal encontra-se nos pulmões e intestino grosso, já que a função básica do primeiro é recolher o Chi pela respiração para que o intestino despreze seu excesso pelas excreções. Ao inverno relacionaram o elemento água, fortemente ligado aos rins e à bexiga, órgãos que retêm os líquidos corporais. Água é elemento passivo, receptáculo de reservas e fonte de energia ancestral; e Tales de Mileto mais uma vez ficaria contente em saber disso, pois a água para os chineses é o elemento mais antigo, aquele que “entrega” o Chi a todo o restante do sistema. Bem, e o elemento terra, onde fica? Ora, os chineses perceberam que o final das estações, precisamente os últimos 18 dias de cada uma delas, está marcado por uma época de transição, de passagem de Chi para a estação seguinte. A estes períodos incaracterísticos, quando por vezes traços de todas as estações se mostram presentes num único dia, os taoístas relacionaram o elemento terra, de onde vem a nossa força, alicerce de toda a vida. Chi nestes períodos se recolhe e se fortalece antes de estar pronto para alimentar o próximo elemento. Terra seria, portanto, o elemento que sustenta e abriga todos os demais, razão pela qual foi associado ao estômago e ao sistema baço-pâncreas, órgãos relacionados à proteção do sangue, ao controle do tônus corporal, bem como aos processos digestivos e de nutrição.
Muito originais, os orientais ainda estabeleceram uma relação cíclica perene de geração e dominação entre os elementos. O “Ciclo de Geração”, também denominado ciclo “Mãe-Filho”, atesta que os elementos geram-se uns aos outros, de modo que sua interdependência é constante. Madeira, por exemplo, é mãe de fogo, já que lhe serve de alimento. Dessa queima, produz-se cinzas, isto é, terra, filha portanto do fogo. Terra, por sua vez, gera em seu seio o metal, os minérios todos que, por se liquefazerem dão origem à água, elemento filho de metal e ao mesmo tempo mãe de madeira, posto que água faz crescer a vegetação. Isto garante a mutabilidade da vida e o eterno retorno da energia primordial à sua origem, quando então se reinicia todo o ciclo.
Outra relação que se estabelece entre os elementos é o “Ciclo de Dominação”, igualmente fechado e perfeito em si mesmo. Água domina o fogo, pois tem o poder de apagá-lo; este domina o metal, pois pode fundi-lo; metal domina a madeira, por ser mais forte e mais denso que ela; madeira controla a terra, já que tem o poder de retirar dela seus nutrientes todos; e terra controla a água, já que dela absorve sua umidade. Destarte, o ciclo volta ao seu começo. Estes dois ciclos, de geração e de domínio, permitem aos chineses tecer infinitas relações entre os órgãos e as vísceras de nosso corpo, sempre dentro de uma relatividade das partes com o todo. A teoria dos cinco elementos constitui-se numa das mais interessantes formas de pensamento da medicina oriental, assunto este que também nos levaria a uma outra matéria em que possamos melhor discuti-lo.
Finalizando, se são quatro ou cinco elementos a compor toda a natureza, pouco importa… o fundamental continua sendo o inexpugnável e doce mistério da vida, ao menos em parte, por ocidentais e orientais, em conjunto decifrado!
Dr. Paulo Urban
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